quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

As saudades de si



Logo depois que escrevi minha última postagem (aquela sobre os pequenos luxos), recebi mensagens muito carinhosas, e até uma que tentou ser ofensiva e acabou sendo cômica (anônima, é claro!). Adorei todas. No entanto, um comentário em especial mexeu comigo de uma forma diferente. Sabe quando você lê ou escuta alguma coisa que cala tanto lá no fundo que demanda um tempo para saber quais os efeitos que vão ser causados? Pois então, eu estava claramente diante de uma assim.

A postagem do comentário foi feita pela minha amiga Bianca. Eu tenho vários amigos, alguns grandes amigos, e algumas amizades que, de tão profundas, acabam se confundindo com minha própria identidade. Conheci a Bia na época de colégio, e, assim que entendemos o quanto tínhamos em comum, se estabeleceu uma amizade daquelas que acabam se estendendo para a família e por muitos anos. Naquelas tardes depois da escola, fosse quando fazíamos compras querendo parecer adultas, fosse quando comemorávamos não ser barradas na porta das boates, fosse quando ouvíamos Matchbox twenty (juro!) no chão do meu quarto, imaginávamos milhões de coisas sobre nosso futuro. Seríamos biólogas depois de nos formarmos na Unicamp. Não, não: faríamos direito e administração ao mesmo tempo e seríamos grandes empresárias. Peraí, faríamos faculdade juntas e nos divertiríamos horrores saindo sozinhas e de carro ainda por cima. Calma, melhor: dividiríamos um apartamento e estudaríamos fora. Tanta coisa que a gente bolou...a única coisa que não cogitamos, foi justamente o que aconteceu.

A realidade foi que, naqueles truques de ilusionismo do destino, onde você jura que nem viu acontecer, o meu caminho e o da Bia se distanciaram demais. Ela fez administração, e eu direito. Ela de fato teve um carro e estudou fora. Eu de fato saí horrores e comecei a trabalhar muito cedo. As duas viveram coisas memoráveis e outras que gostariam de esquecer, mas, sem que pudéssemos crer nisso anos antes, não estivemos ao lado da outra em nenhum desses momentos. Mesmo assim, eu sempre creditei a ela o posto de minha melhor amiga mulher. Ninguém entendia muito bem como funcionava uma melhor amiga a quem pouco se via, mas,o título não deixou de ser dela.

Anos depois, quando as duas tinham sido recentemente golpeadas de jeito pela vida, acabamos nos reaproximando e constatando algo ainda mais surpreendente: nosso vínculo não tinha enfraquecido em nada. A amizade que nos unia era a mesma, ainda que estivesse guardadinha em uma prateleira alta demais há tanto tempo, há tantas voltas, há tantos acontecimentos. Rimos juntas, choramos juntas, prometemos não nos distanciarmos demais de novo.

O comentário postado pela Bia dizia que meu texto tinha despertado nela saudades dela mesma anos atrás. E foi esse o ponto crucial para mim. As saudades já são, por natureza, algo de extremamente cruel do qual ninguém escapa. Um mal inevitável, porque durante toda vida, somos instruídos ao apego, e não aprendemos a perder as pessoas e coisas que aprendemos a amar. A saudade é a pena que sofremos por não entendermos a mais básica das regras da vida: que tudo tem fim. Porém, é também a saudade o sinal de nossa teimosia, que cisma em questionar esse fim, e mostrar que o apego triunfa sobre a perda, já que dentro de nós o que amamos não se finda jamais.

Se a saudade já é tão dolorosa, das pessoas e coisas que se foram, que ficaram para trás, que se perderam no tempo, imagine então a saudade de nós mesmos! Isso não é justo, não é certo, não é suportável. Ninguém deveria sentir falta do que já foi, porque nunca deveríamos precisar abandonar esse "eu" em qualquer lugar do que vivemos. Se, em algum momento do percurso percebermos que algo de importante ficou pelo caminho, temos os direito de voltar e tomar de volta. Já se esse elemento que ficou pelo caminho for nossa essência, ou uma parte de nós que nos era querida, esse direito de retornar se torna obrigação! Não se pode exigir que sigamos em frente, a menos que estejamos ali por completo. Não se pode querer que superemos a falta também de nós mesmos.

Obrigada, Bia! Seu comentário me fez ver que talvez eu precise checar, de tempos em tempos, se trouxe tudo de mim desde a última curva no percurso. Me fez ver também que eu preciso voltar e buscar umas duas ou três coisas que tinha achado que podia prosseguir sem.

Se divido isso com você, que me lê, é porque também sugiro que cheque sua bagagem em todas as suas partidas e chegadas. Não se importe no quanto leva para resgatar o que ficou para trás. Podemos perder tempo sim...o tempo é que não pode fazer com que nos percamos de nós mesmos.